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PLURAL: os textos de Giorgio Forgiarini e Rogério Koff

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Notas sobre a administração pública brasileira
Giorgio Forgiarini
Advogado e professor universitário

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A primeira estatística oficial quanto ao número de servidores do Poder Executivo veio só em 1988. O regime anterior não era amigo da transparência. Naquele ano, a União Federal, só ela, possuía 705 mil servidores públicos. Destes, estima-se, dois terços nomeados sem concurso: Eram os extranumerários.

Podemos dizer, então, que o número de servidores públicos no Brasil era exagerado? Talvez sim, talvez não. Talvez sim, se levarmos em conta que naquela época a clientela usuária de serviços públicos era muito menor que hoje, como era também a gama de serviços prestados pelo Estado. Talvez não, se considerarmos que mesmo naquela época o número de servidores públicos no Brasil era muito menor do que a média mundial.

Naquele tempo, a população brasileira era de 149 milhões, boa parte excluídos da prestação de serviços públicos. O serviço de saúde não era universalizado, o analfabetismo batia em 25,5% entre jovens e adultos e o Ensino Superior só era alcançado por 2% da população.

De lá para cá, a população cresceu para mais de 200 milhões. O serviço de saúde foi universalizado, o de educação foi ampliado, principalmente no que diz respeito ao ensino superior. Outros serviços foram criados, como Defensoria Pública, fiscalização ambiental e proteção ao consumidor, por exemplo. Todavia, por incrível que pareça, o número de servidores caiu, tendo chegado a 485 mil em 2002.

ADMINISTRAÇÃO INEFICIENTE?

Após 1988, os poucos servidores teriam que dar conta de serviços com os quais os muitos de antes nem sequer se preocupavam. Pior, dentre eles haveria muitos daqueles extranumerários do regime antigo, nomeados sem concurso, mas que adquiriram estabilidade quando da entrada em vigor da Constituição.

Apenas com o passar dos anos o funcionalismo público seria recomposto. Na medida em que os antigos iam saindo, outros tantos iam sendo nomeados por concurso. Nesta toada, o número de servidores até voltou a crescer, chegou a 617 mil em 2014, destes, apenas 14% ocupantes de cargos em comissão, percentual grande, segundo alguns, mas muito inferior ao que se tinha antes 1988 e com incumbências muito maiores.

Dito isto, afirmo peremptoriamente: A Administração Pública brasileira é eficiente, sim. Se não em nível ideal, é muito mais do que já foi.

I Onde está o inchaço?

Não tenho números mais atuais referentes ao serviço público no Brasil. O Boletim Estatístico de Pessoal lamentavelmente deixou de ser publicado em 2017. O que sei dizer é que faltam médicos, policiais, professores, faltam fiscais e muitos outros profissionais no serviço público.

Sobram, no entanto, detratores que alegam excesso de servidores e inchaço da máquina pública sem sequer se preocupar em saber o que fazem esses servidores, ou especificar onde está esse inchaço.

Alguns destes, inclusive, são hoje ministros e eles querem que voltemos a ser como antes. Tenho medo que consigam. 

O elefante e seu advogado
Rogério Koff
Professor universitário

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Não sou arquiteto ou urbanista, mas tenho verdadeira paixão pelas cidades. Tive a felicidade de conhecer algumas das mais importantes do mundo. Quando visito uma cidade, procuro me deslocar a pé, para conhecer as ruas e compreender sua organização. Arquitetos devem conhecer o livro "Morte e Vida das Grandes Cidades", de Jane Jacobs (1916-2006), escrito em 1961. Além de uma poderosa crítica à arrogância dos especialistas e suas teorias de planejamento dos grandes centros urbanos, a obra é uma declaração de amor ao Greenwich Village, bairro onde a autora viveu em Nova York.

PLANEJADORES URBANOS

Jacobs concebeu as cidades como um imenso laboratório de tentativas em termos de construção e desenho urbano. O problema era que os especialistas tinham dificuldade para compreender a "cidade real", organizada de modo espontâneo. Os planejadores apostavam em projetos de dispersão dos centros urbanos como forma de garantir o fluxo do trânsito e a segurança dos habitantes, subvalorizando espaços de convivência. A cidade dos planejadores do futuro lembrava Brasília, construída à época do livro de Jacobs: um lugar projetado para o automóvel, onde caminhar é quase impossível. As vias de acesso eram rápidas e as pessoas ficavam mais seguras em seus condomínios, mas a vida comunitária e os encontros espontâneos acabavam sacrificados.

TEMPOS MODERNOS

Transfiro a discussão para os tempos de pandemia. Desde março, especialistas orientam gestores públicos a impor isolamento social à população, com restrição da atividade econômica. Se todos seguissem os protocolos de prevenção e ficassem em suas casas, o pico de contágios logo seria superado e a vida voltaria ao normal. Estamos em setembro e a mídia continua reproduzindo a mesma ladainha, embora as medidas não pareçam surtir efeito. Nesta semana, o governo que brinca de bandeirolas coloridas classificou nossa região como alto risco. Sem explicar por que seus protocolos não funcionam, as autoridades punem empresários e trabalhadores, ainda que a população esteja usando máscaras e obedecendo às recomendações oficiais. A verdade é que as pessoas perderam a paciência e não acreditam mais no que dizem os especialistas.

Impedir as forças vivas da economia levará ao desemprego em massa e faz lembrar o uso da sangria pela medicina do passado. Em meados dos anos 1800, o médico norte-americano William Turner (homônimo do famoso pintor) foi censurado por seus pares quando ousou afirmar que o procedimento de tirar sangue dos pacientes era nocivo, porque lhes subtraía forças que precisavam para enfrentar a doença. O dinheiro do auxílio emergencial está terminando e o país não tem mais como suportar esta carga. Com a proibição da atividade econômica continuaremos lamentando pelas vítimas da doença, mas certamente teremos outros milhões de vítimas de um remédio ruim.

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